Tuesday, November 29, 2005


Deixo-me acariciar na montanha negra... Fecham-se as pálpebras do rio que corre... Os dedos retesados enterram-se, de novo, na terra húmida. Abrem-se fendas no corpo celeste... E o cheiro a prazer alastra por todo o universo.

Monday, November 28, 2005

Deixo-me envolver pelo nevoeiro... E atravesso o universo com duas pétalas tatuadas nos lábios. A espiral de cores, que sai do meu olhar, ilumina o túnel escuro de um labirinto encantado. Tacteio a noite vermelha e repouso sobre o ombro de veludo. Passo a língua pelo fio da navalha e bebo a seiva do cansaço, que me escorre por entre um cigarro apagado. Trago as mãos vazias, pela entrega de um dia que acabou. Os passos fraquejam e deixo-me ficar a contemplar a viagem esquecida. Até qualquer dia... Quando as luzes voltarem a brilhar.
A noite fria, que se aproxima, regela os nervos e paralisa a carne. Sinto uma imobilidade incomodativa. Olho para um pinheiro suspenso no ar... Gostava de ser como aqueles ramos, que baloiçam no vento... Sentir o ar a passar pelo meu corpo... À espera que o sol volte a nascer. E se o corpo voltar a aquecer, que seja num desapego libertador.
Vem-me à boca o sabor a sal de uma onda por nascer...
Apetece-me olhar o mar.
Espero pela próxima onda... Para me levar.

«[...] Nada de saudosismo, saudosismo é uma espécie de masturbação sem verdadeiro prazer, uma inutilidade atravancadora, que no máximo pode ser empregue para brincadeiras, mas geralmente é perda de tempo [...].»

(A Casa dos Budas Ditosos; João Ubaldo Ribeiro)

Sunday, November 27, 2005


A vida passa, num voo de asas em chamas.
Abre-se a porta, rumo à liberdade.
É o renascer de uma vida nova, com um novo ar...
Que respiramos e sentimos ainda mais leve.
Atravessa-me a secura!
O corpo seca... As veias secam-me...
O pensamento seca... As palavras secam-me...
Mas lá fora, continuam a cair as chuvas de inverno.
Sinto o cheiro da terra molhada.
Abraça-me a sensação dos odores molhados.
E quero continuar a sentir esta terra que me alimenta.


«[...] Que esta música nos saiba
Ao prazer de nos vencermos sem pudor,
Sem ocultarmos

Este desejo doentio
Que me traz acorrentado
Ao soluço de sentir
Uma saudade de vibrar
Nas sombras do meu porvir. [...]»

(As Canções de António Botto)

Thursday, November 24, 2005


Não tenho a arte de bem falar nem de bem escrever.
Limito-me a saborear as palavras...
Aquelas que encontro e as que me escapam.
Têm um sabor agridoce... Um travo a morango com chocolate.
Gosto de as sentir nos meus lábios e na ponta dos meus dedos...
Das suas vibrações no céu da minha boca.
Agora, pode ser chocolate com morango.
É que não sinto os lábios e trago o céu da boca aberto...
À espera de novas vibrações.

Monday, November 21, 2005

Conheci umas pessoas que frequentam super-mercados de palavras. Ontem fui lá, para ver… As prateleiras estavam vazias. Sai e voltei para cá. Trazia o pensamento afogado numa chávena de café.
Foi então que me lembrei que, no dia anterior, tinha ouvido falar de um planeta novo… De mares gelados e de estrelas enfraquecidas. E volto a pensar nas prateleiras vazias.
Será por isso que os cães já não ladram? Mas há tanto para dizer…
Nas lojas da minha aldeia não costumava faltar nada. Haverá lá palavras nas prateleiras?...
Não acredito em viagens demasiado longas.
Não quero voltar às lojas da minha aldeia.
E se os cães voltassem a ladrar?
Volto a lembrar-me do planeta novo. Esqueço os super-mercados de palavras. Os cães voltam mesmo a ladrar, no planeta novo.
Sinto-me escorrer por entre letras luminosas.

Saturday, November 19, 2005

DEAD CAN DANCE

Estou de volta para falar de outra paixão, que também inclui Lisa Gerrard: DEAD CAN DANCE. Quem esteve no Teatro Lope de Vega, em 21 de Março de 2005, percebe que não estou a falar de uma paixão qualquer... É uma paixão daquelas que nos fazem arrepiar a pele... Parece que esta música nos entra nos poros e navega pelas células do nosso corpo. Não consigo imaginar a minha existência sem estes sons... Há aqui uma intemporalidade subjacente que me faz voltar sempre... E sempre que volto é como se fosse a primeira vez... Escuto com o mesmo encanto, sinto com a mesma força e atravessam-me sempre novas sensações. De novo o céu e a terra em fusão... São suficientemente etéreos para nos elevar mas a gravidade aterra-nos. Paisagens sonoras de culturas ancestrais... Celebração de rituais perdidos... Um encontro único com a beleza... De sempre e para sempre.
«[...]
Entrego-me à vida que não se revela ainda que tudo contenha,
Decido-me hoje a cantar apenas os cantos de viril afecto,
Projectando-os ao longo da plena vida,
Legando, desde já, as formas de másculo amor,
Pela tarde deste delicioso Setembro dos meus quarenta e um anos,
Dirijo-me a todos os homens que são ou foram jovens,
Conto-lhes o segredo das minhas noites e dos meus dias,
Celebro a necessidade de companheiros.»

(POR CAMINHOS NÃO PERCORRIDOS; Walt Whitman)

Thursday, November 17, 2005

O olhar repousa sobre uma nova paisagem... Esta faz parte de um passado recente... E volta à memória recordações que o tempo não quis apagar. Sente-se o cheiro dos ramos secos pela história. E não é de histórias que construímos o nosso presente? A luz pode, agora, passar através de uma paisagem crua... É a nudez de um espelho que deixou de reflectir. Mas ainda se vê as sombras desenhadas por cristais nublosos... E de novo os cheiros... E de novo a memória... E o tempo... Os primeiros troncos mudam de cor e os outros desfazem-se, na terra húmida. Acho que vai chover!... Deixa-me apagar as luzes!... E descansar sobre esta recordação, que o tempo não quis apagar da memória.


São Asas, como estas, que nos fazem escapar da queda livre... Do mergulho no vazio... Na fronteira entre a plenitude e o nada... Entre o que fomos e o que queremos ser... Podes ver, agora, o mundo a teus pés... E pensas que talvez fosse bom fazer parte dele... Ou talvez não...

Deixo-me embalar pelas asas e sinto o ar a passar por mim... Ainda posso respirar?... Talvez!!!...

Agora vou descansar no meu pensamento. Apetece-me sentir-me... Até logo!... Para um novo voo.

Wednesday, November 16, 2005

Hoje não me apetece falar!... Quero saborear este silêncio.
Olha, vês aquela praia de areia vermelha? Não é a tua cidade preferida?
E as estrelas?... Ah!... Afinal são as luzes da tua cidade preferida.
Boa noite!... Bom dia!...
Olha aquele carro que se passeia pela praia... Não é o teu animal preferido?
Que fazes aí?... Mergulhas nessa silhueta solitária?
Já não ouves o sussurro de quem chama por ti?
Bom dia!... Boa noite!...
Acreditas na bola de cristal colorida?... Não parece um arco-íris de ilusão?
Talvez acredites nas cores que a vida ainda te pode dar...
Não as vês?... Como podes fechar os olhos quando o sol grita por ti?
Boa noite!... Bom dia!...
Queres parar o tempo?... Como o poderás fazer, se tens as mãos cheias de recordações?
O arco-íris escorre por entre os teus dedos... Não é a areia vermelha da tua praia preferida?
Quando as luzes da cidade se apagam, vejo uma estrela ascendente.
Bom dia!... Boa noite!...
Dorme!... Porque o dia acaba de acordar. Não o consegues ver?
Talvez seja aquele foco violeta que te cega o pensamento?... Hum?... Que dizes?
Não falas mais nada?... Então, DORME!...
Boa noite!... Bom dia!...

Tuesday, November 15, 2005

Né Ladeiras

A demora de um regresso é a solidão da espera... Porque não voltas? Espero-te em cada noite que a lua brilha na janela ou que a chuva bate nas vidraças... Estes cantos de trabalho, de nascimento e de morte... Esta oração profunda de uma voz portuguesa... Um passado tão bem construído não pode terminar num silêncio tão prolongado.
O coração abre-se e sangra. A voz balsâmica esconde-se por trás da cortina que queremos rasgar. Queremos de volta uma Né que nos sabe acordar... Porque não te vimos?
E agora, que a espera se torna longa, queremos o regresso de Né Ladeiras, para vestir de novo as tradições e contar-nos histórias que nos correm nas veias... Queremos, juntas, essas vozes de cá e de lá... Que o manto caia e as luzes voltem a acender... Que o luar faça nascer um novo dia, em que o sol brilha mais intenso e as mãos talham um novo mundo.

Lisa Gerrard

Hoje apetece-me falar sobre uma outra paixão: Lisa Gerrard. Essa voz que alimenta o corpo, o espírito e a imaginação... Que vem de outros tempos e de outros lugares. Que ultrapassa a fronteira entre o céu e a terra... E nos faz sonhar, através da intensidade de um lamento que paira na linha da eternidade.
Muitas palavras poderiam ser inventadas para falar de uma realidade transbordante... Mas todas seriam poucas para revelar este universo que se ultrapassa a si mesmo.
Apetece-me cerrar os olhos e tornar-me num novo orgão, que se abre apenas para se deixar embalar nestas asas sonoras... Neste prazer que faz esvair o meu corpo e o transforma nas águas de um rio que corre sem cessar, mais baixo que a terra e mais alto que qualquer céu.
A carne constrói-se a cada dia... Das unhas que rasgam a pele e alimentam o sangue, nasce um novo corpo...

Monday, November 14, 2005



«Lembro-me que de onde vim
Havia prédios em fogo e um mar vermelho incendiado
Lembro-me de todos os meus amantes
Lembro-me de como me abraçavam
Mundo sem fim lembra-te de mim.»

(World Without End; Laurie Anderson)

Lugar do início... Um princípio que se move em direcção a lugares distantes. Um encontro que ultrapassa o tempo. Onde não há passado, presente, nem futuro... De um tempo ausente. Porque a vontade da partilha ultrapassa lugares e tempo. Também desejo estar sempre contigo, num encontro infinito, que nos leve à eternidade.... Porque a força de um abraço não se apaga, mesmo quando a ausência se prolonga.
Sabes-me a amizade, daquela que pode ser mais profunda que todas as outras porque não se espera e acontece... E agora não a queremos parar.

Sunday, November 13, 2005


«Desejo e veleiro
Imagem ou nevoeiro
Ei-la ela a madrugada
Já o barco se vai da praia
Apetece-lhe o mar
Vem-se em tantas cores
Húmida de medos
A transbordar»

(Corsária; Né Ladeiras)