Friday, December 30, 2005

Uma chuva de luzes... Que desce dos céus. Por entre a folhagem das árvores, escondidas, caem lágrimas de prazer... O poder contemplar uma nova luz. Sinais de novos tempos que se aproximam e trazem, com eles, a mudança. Uma página mais no calendário. Um novo caminhar... Em direcção ao desconhecido, ao futuro.
Para todos os que me visitam, um bom ano novo... Pleno de novidades, de palavras, de encontros, de sentimentos e sensações. Até ao novo dia.
«Toma a minha noite...

Lama torva de espinhos
nas fonduras dos muros
com o lume ainda escuridão
misturado de sémen e urtigas...

Pântano de sonhos mortos
onde as únicas asas
são as espirais dos corvos nos teus lábios
a devorarem um céu redondo de nuvens podres...

Fúria sonâmbula dos calabouços
com a boca a saber a abismos
e as labaredas a torcerem-se
em busca de mais noite...

(Ah! mas como tu transformas tudo
num jeito de rosas e de lua!)»

(Ruas Desertas; José Gomes Ferreira)

Tuesday, December 27, 2005

«[...]

Yo, que siempre andaba al día,
Sin echar la vista atrás,
Convencida presumía de ser dueña
De mi voluntad.
Y ahora estoy aquí sentada
Escribiendo una canción
Como loca enamorada
Deshojando palabras de amor.

Luna dame inspiración
Por un instante
Y siembra mil estrellas
En el aire
Que quiero conquistar
Su corazón.
Luna llévale el calor
De mis palabras
Y bébete la luz
De la distancia
Que necessito verlo por favor.»

(Luna, Pedro Herrero; In Sino, Mercedes Sosa)

Monday, December 26, 2005

Flutuo novamente. Quero apagar as distâncias reais. Mergulho num sonho que está para além dos espaços visíveis... E construo imagens de fumo. Sopro no ar e espero que os horizontes sejam reformulados. A noite estrelada faz-me acreditar que um novo dia vai nascer. Os meus olhos abrem-se... E fazem-me flutuar através de imagens e sorrisos que estremecem a pele... Uma voz que apaga a distância e dilui o fumo... Respiramos lado a lado, num sonho que se quer real.

Sunday, December 25, 2005

A chuva lava-me o rosto... Trago a roupa colada ao corpo... E abro-me a esta entrega. Os jardins parecem mais verdes. Não é poesia que trago nos olhos. É a tempestade que irrompe do fundo de mim. Continuo a acariciar as gotas de chuva que me lambem o rosto. Continuo a lamber o rosto em gotas... Apetece-me sorver sabores... Apetece-me saborear a chuva e o rosto de uma tempestade que me consome. E quero a chuva, e quero a tempestade, e quero os jardins mais floridos... E quero o amanhecer com sol, mas com o cheiro da terra molhada.

Thursday, December 22, 2005

Dos cantos do Mundo... Em que o canto é mais etéreo. Uma presença maior, que transborda espaços, lugares plenos... Fraca fronteira de uma realidade presente... A plenitude de um sonho universal. Quero abraçar o universo inteiro!... Dár-me ao céu e à terra.... Com a gravidade da entrega e a leveza dos sentidos.
Deste canto do mundo, um de entre vários, voo em direcção ao ar que respiro... Sinto-me planar!... E sigo em frente... A voar, a voar, a voar.

Monday, December 19, 2005

Há um lugar, longe daqui... Lá para o sul... Onde o azul é a cor e o sol é a luz. Bailam no firmamento farrapos de cor... São serpentinas que anunciam o carne-vale. E vale mesmo!!!... Porque o corpo escorre mas não se desfaz, como os farrapos de papel... E a carne é muito mais que o prazer de um momento... Em lugares, longe daqui... Onde o sol brilha e o azul anuncia um novo olhar.

Friday, December 16, 2005

«Vais olhar para o que vês. Mas vais ter de olhar absolutamente. Vais tentar olhar até ao apagamento do olhar, até à tua própria cegueira, e através dela deves continuar a tentar olhar. Até ao fim.»

(Textos Secretos; Marguerite Duras)


Thursday, December 15, 2005

Lugar mágico, de paredes sonoras... A voz espalha-se pelo universo... Em céu aberto. Os passos aproximam-se e trazem novos cérebros... À procura de mais. Permaneço neste lugar, a sentir a voz planar. E, depois, vem a distância... A separação física é inversamente proporcional à força da ligação. O pensamento fica. Ficam as vibrações e a energia renascida. Apetece sempre voltar a este lugar de magia incompreendida. E trago dentro de mim estas paredes que fazem bailar sons e voar vozes... Que vêm de dentro e que parecem ultrapassar-nos. As asas voam mais longe e o céu da boca rasga o silêncio contido... Neste lugar mágico, de paredes sonoras.
Hoje apetece-me cantar aos quatro ventos. De norte a sul, do meu corpo, sinto-me mais leve. O reencontro com os pontos cardeais que fazem voltar o sentido de um caminhar... Trago nos olhos o brilho das estrelas, de uma noite iluminada. Um café quente e um cigarro fazem-me companhia. É bom saborear estas noites, de pequenas coisas, em que tudo parece ser tão grande e tão cheio de sentido e com tanta força nas pernas... Para caminhar e caminhar e caminhar...

Tuesday, December 13, 2005

Tenho andado de costas voltadas para as palavras.
Há vozes que nos fazem crescer um sabor a fel na boca... Cerramos os lábios para não o engolir... E fica um nó na garganta, pronto a sangrar.
Mas, de repente, outras vozes ecoam e pode renascer uma nova força... Um olhar novo volta a cintilar... E o canto é mais forte que o lamento.
O corpo balança no ar como uma pena que sai da boca, tocada por um novo sopro.
Volto às palavras. Um pedido especial faz-me acordar. Não posso esquecer este sabor que me vibra na garganta. Apetece mesmo soltar, de novo, a voz.

Thursday, December 08, 2005


«[...] Não encontramos a alma do sexo espiritualizando o corpo, mas passando a apreciar os seus mistérios e ousando assumir a sua sensualidade. [...]»

(A Alma do Sexo; Thomas Moore)

Wednesday, December 07, 2005

As pontas dos meus dedos são guardiões de segredos.

«A sesta do reino espiritual é o mundo floral. Na Índia, os homens ainda dormem, e o seu sonho sagrado é um jardim cercado de ondas de leite e de mel...»

(Fragmentos; Novalis)



«Será que já não se sabe de nada,
Que já não nos lembramos de nada,
Que as tátuas já são de cimento?
Mas as pedras e as luz vivas são
E esta gente com nome na mão, dará
Ao deserto do esquecimento
Porque alguém ainda vai querer lembrar
Que esta terra quase seca, magoada,
Tem novas histórias para contar

Céu da gente ou quem és tu
Dá-me a força do mar
Que as vagas vá espraiar
À terra muda que espera
Céu da gente ou quem és tu
Deixa-me ir beijar a terra
Que ao passar a barra maior
O mar tem jeitos de amor.
[...]»

(Céu da Gente; In Almanave, Anamar)
Do meu quarto, abre-se uma janela para o jardim das delícias... Soam tambores à velocidade do vento. O corpo escorre, nas noites quentes de inverno. Abro a janela e deixo entrar a brisa nocturna... Que me acaricia o rosto e lambe-me os cabelos. Deixo-me ficar a saborear este momento que se prolonga e me derrete. Que bom ter janelas assim, húmidas e quentes... Para nos aquecerem, nas noites quentes de inverno.

Tuesday, December 06, 2005


«No mundo há só um templo: o corpo humano. Nada mais sagrado do que esta forma sublime. Inclinarmo-nos perante um homem, é render homenagem a esta revelação na carne. É no céu que tocamos quando tocamos num corpo humano.»

(Fragmentos; Novalis)


«Era uma sala grande. Cheia de gente. De todo o género.
E tinham chegado todos ao mesmo edifício

Mais ou menos na mesma altura.

E eram todos livres. E interrogavam-se todos acerca do mesmo assunto:

O que haverá por trás daquela cortina?

Tinhas nascido. Por isso, eras livre. Então, parabéns.»

(Born, Never Asked; Laurie Anderson)


O dia, hoje, acordou mais claro. Há uma luz que atravessa o meu olhar e me dispõe... Não sei bem para quê.
Acaricio o mar... Passo a mão pelo seu dorso... Está lindo. A cor de chumbo oculta e revela uma dramaticidade profunda. Na linha do horizonte, mar e céu fundem-se num só.
Pergunto: Que ligação existe entre a luz e o chumbo?
Hipotética resposta: A fusão não tem limite.

Monday, December 05, 2005

Ouvi falar de um lago de cristais coloridos e aromáticos... Onde as pessoas conversam, entendem-se e partilham ideais comuns. É um lago situado algures, em qualquer sítio do mundo. A convergência de interesses não é feita pelos cristais. É uma força que emerge e atravessa todo o universo, apelando aos sentidos e ao movimento dos braços. O lago vai mudando de cores e as pessoas continuam a sentir a força nos punhos.

Ouvi falar de sombras que fogem dos cristais, que se movimentam mas que não têm força nos punhos.

Ouvi falar de olhos que não se movimentam, não fogem e não têm força. Limitam-se a contemplar a realidade distante.

Ergo os meus braços, sinto os cristais correrem-me nas veias, mergulho no lago e sinto-me renascer... Com os punhos prontos para o combate.

Sunday, December 04, 2005


«Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supôr o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.

É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das caras e dos dias.

Tu és melhor - muito melhor! -
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.»

(O Virgem Negra; Mário Cesariny)

«Estive tão perto
tentada quase a nunca mais voltar
só mais um passo
um gesto em falso
um hesitar
salvou-me a voz
fria da morte a chamar
sabes, nunca gostei
de andar assim
às ordens de ninguém

ninguém me faz
queimar o tempo
a olhar para trás
[...]»

(Uma Questão de Tempo, Pedro Malaquias; In Onde o tempo faz a curva, Rádio Macau)

Saturday, December 03, 2005


Há uma tensão que faz explodir este corpo, num prazer interminável. Lança-se um olhar cósmico e sente-se a saliva a crescer por entre os lábios rubros. É este corpo... Que é atravessado por uma sede devoradora. Abrem-se os olhos em busca de um novo tempo. A mesa separa os corpos ávidos de prazer... Mas a entrega acontece... Num encontro de lábios, rubros, em torno do objecto desejado. Apetece prolongar este momento, para além do horizonte temporal.
Os deuses convocam-nos para esta celebração da carne... E o prazer acontece, para além da mesa e dos corpos, para além do tempo e do horizonte.

«Dias
da enxurrada de beijos
na cova dos rins

dias em que a cidade cola ao corpo
e ele a si.
dias apunhalados pelas costas

a obra morre de amores
morre com toda a razão.

Dias
da enxurrada de beijos
no fundo da rua.»

(Mulher a Dias; in Partes Sensíveis; Três Tristes Tigres)

Friday, December 02, 2005


«é no silêncio
que melhor ludibrio a morte

não
já não me prendo a nada
mantenho-me suspenso neste fim de século
reaprendo os dias para a eternidade
porque onde termina o corpo deve começar
outra coisa outro corpo

ouço o rumor do vento
vai
alma vai
até onde quiseres ir»

(REGRESSO ÀS HISTÓRIAS SIMPLES; Al Berto)
Sento-me na colina da liberdade... Sinto um desejo de me ultrapassar. Trago os sentidos, todos, aguçados. Mostro o meu rosto às pedras e respiro o odor dos corpos em combustão. Pego no livro que transporto nas mãos. Abro e folheio o livro... É o livro da vida. Compro o bilhete para a viagem. Embarco rumo a um horizonte distante. E continuo a ler e a ver o livro da vida. A viagem não tem fim. A PARTIDA ESTÁ DADA.

«[...]
o elo de qualquer companheirismo, no casamento e na amizade, é a conversa, e a conversa deve ter uma base comum
[...]»

(De Profundis; Oscar Wilde)

Thursday, December 01, 2005


«[...]
Sei que toco.
Que há uma combustão nas partes sexuais
da minha morte. E se olho esse espelho exalado
de mim mesmo, vejo
pérolas, a anestesia das pérolas. Mas
o fósforo precipita-se onde
arrefece a carne, e se torna ligeira. E uma dor
instrumental, a minha própria música
descoberta, enreda-me como o som enreda
os tubos de um órgão.
[...]»

(Flash; Herberto Helder)