Tuesday, January 31, 2006

«[...] Como, ao mesmo tempo, a presença também se oculta, já é ela mesma ausência. Deste modo, o abismo cobre e assinala tudo.»

[Caminhos do Bosque; Martin Heidegger; Alianza Editorial]
«Quero que as culturas
de todos os povos
andem pela minha casa
com o máximo
de Liberdade.»


Mahatma Gandhi

Encontrei estas palavras numa chávena de café... Pela forma como me identifiquei com a vontade desta diversidade, não quis deixar de as trazer até aqui... Para uma partilha, com aqueles que me querem ler.

Monday, January 30, 2006

Há dias em que a ausência de luz é uma dádiva... E os olhos perdem-se na paisagem desconhecida.
Um labirinto de sentidos.
Um sentido que desce lentamente... E ilumina os olhos.
Consigo ver-me e sentir-me por entre estas árvores... A escorregar nas folhas que se colam ao corpo.
De novo o cheiro a terra húmida... Que me humedece a pele.
A fecundação perfeita.
Vem terra!... Vem!... Que te quero em mim.

Thursday, January 26, 2006


«A orgia não é o termo a que o erotismo chega na esfera do mundo pagão. A orgia é o aspecto sagrado do erotismo, em que a continuidade dos seres, para lá da solidão, atinge a sua expressão mais sensível.»

[O Erotismo; Georges Bataille]

Wednesday, January 25, 2006

Parto ao encontro de lugares novos... Trago na pele o cheiro da desoberta. O corpo descarnado chama por essa viagem maior... Onde a partilha se torna numa ida sem regresso. Procuro nos bolsos vazios um sinal da voz que me prende... Que encontro em cada acordar, numa imagem que sei real. Dispo-me dos objectos que me possuem e avanço num galopar descontrolado. Espero que a tua mão percorra o meu corpo... Desfaço-me em águas de sabores vários... E insinuo-me para esses lábios que desejam os meus poros... Dou-te agora este corpo, aberto à descoberta, por lugares novos, numa viagem de ida sem regresso.

Thursday, January 19, 2006

«Separação,
Os pássaros da despedida chamam por nós,
No entanto, aqui permanecemos
Mergulhados no medo do voo.
Por todo o lado
Os ventos da mudança consomem a terra,
Enquanto permanecemos
Na sombra de verões passados.
Quando todas as folhas
Tiverem caído e se transformado em pó,
Nós permaneceremos
Entrincheirados dentro dos nossos caminhos.
Indiferença,
A praga que se move nesta terra
Sinais de agoiro
Nos contornos das coisas que hão-de vir.»

[Severance; DEAD CAN DANCE]
«Ouvia os sapatos rangerem: a neve apagava o rasto dos meus passos como se o regresso não fosse, com toda a evidência, viável.
Eu caminhava pela noite fora: acalmava-me a ideia de ter atrás de mim pontes cortadas. Conciliava-me o estado de alma e o rigor do frio! Um homem saiu de um café e sumiu-se na neve. Eu via o interior iluminado. Dirigi-me à porta e abri-a.»

[
História de Ratos; Georges Bataille]

Sunday, January 15, 2006

«Se é ao rosto que me dirijo quando falo, é porque é mais do que um simples écran ou superfície de inscrição: tem várias camadas, possui uma profundidade própria (buraco negro). Da mesma maneira o meu rosto recebe a fala do outro protegendo-me ou deixando-a entrar até às regiões mais profundas (o inconsciente). O rosto é uma superfície particular de entrada do exterior para o interior.»

(Metamorfoses do Corpo; José Gil; Relógio D'Água)

Thursday, January 12, 2006

Respiro o ar selvagem de árvores abandonadas... O vento corre solto pelas ruas e rasga-me o peito, penetra-me a pele. Engulo golfadas deste ar gelado... Procuro no horizonte um sinal do tempo que me possui. Olho o firmamento e os meus olhos embatem em bolas de luz... Estava capaz de jurar que acabara de ver luas suspensas... Presas por um fio... É a corda da imaginação que nos puxa para lá dos limites... Volto a olhar as luas suspensas, a balançar, tocadas pelo vento frio que me rasga o peito. Volto a beber o ar e a oferecer a minha pele. Há um encanto naquelas luas que me faz pensar no olhar da serpente, quando hipnotiza a sua presa. Não resisto... Entrego todo o meu corpo a bolas de luz... Dou-me a beber a luas suspensas... Na expectativa que o amanhã traga luas ainda maiores.

Monday, January 09, 2006

«Fui à beira do mar
Ver o que lá havia
Ouvi uma voz cantar
Que ao longe me dizia

Ó cantador alegre
Que é da tua alegria
Tens tanto para andar
E a noite está tão fria

Desde então a lavrar
No meu peito a alegria
Ouço alguém a bradar
Aproveita que é dia

Sentei-me a descansar
Enquanto amanhecia
Entre o céu e o mar
Uma proa rompia

Desde então a bater
No meu peito em segredo
Sinto uma voz dizer
Teima, teima sem medo»

(FUI À BEIRA DO MAR, José Afonso; "EU VOU SER COMO A TOUPEIRA")

Saturday, January 07, 2006

«Esperamos na obscuridade.
Vinde, vós que escutais, vinde
saudar-nos na viagem nocturna:
nenhum sol agora brilha,
nem luz agora nenhuma estrela.
Vinde, ó vós, mostrar-nos o caminho:
que a noite secreta é inimiga,
a noite que fecha as próprias pálpebras.
E eis como a noite inteiramente nos esqueceu.
E esperamos, esperamos, na obscuridade.

( A Obscuridade, Herberto Helder; "Poesia Toda")

Friday, January 06, 2006

«Lá onde acaba a montanha,
nos cimos, nem eu sei de onde,
vagueei por onde a minha cabeça e o meu coração pareciam perdidos,
vagueei ao longe.»


(Canto do Sonho, América do Norte, Papagos; versão de Herberto Helder; In "Rosa do Mundo, 2001 poemas para o futuro")

Thursday, January 05, 2006

Para lá do céu e do mar, há uma voz que chama por mim... Deixa-me beber a tua garganta... E sorrir à velocidade do teu corpo. Deixa-me saborear o sal da tua pele. Baloiço em ondas de vento e peço à terra para engolir as minhas mãos... Sinto um vulcão de cores que me rasga o peito... E canto novas melodias. O ar vibra na minha boca como uma onda que se oferece ao pescador... Deixo cair a rede, e mergulho em queda livre... Num oceano de emoções e sensações... Que me arrastam para alto mar.
«[...]
Em que torres ou heras ou ondas
vivemos e morremos silenciosos?
Além à sombra de árvores profundas
corre o vento que leva e traz beijos,
mas não fica ninguém a dar suas rosas,

a dar o seu amor, a dar-se com amor,
a dar, amante e fiel, sua flor íntima;
tudo é vida que passa, e já queremos
o que se esvai e morre; já queremos
a entrega, embora breve, total, do ser em flor.»

(O Interior, Ricardo Molina; In "Rosa do Mundo, 2001 poemas para o futuro")

Wednesday, January 04, 2006

Olhar atento que se estende em horizonte aberto. A suavidade do corpo que me passa, por entre os dedos, ao acordar... Todas as manhãs. A presença que chama por mim... A entrega incondicional.
Olhamos a mesma direcção... Sentimos o mesmo apego... Desejamos a mesma liberdade...
E voltamos a abrir os olhos, ao mesmo horizonte... Com o prazer de receber o dia... Seja o primeiro ou último de nossas vidas.

Olho estes gestos macios, de uma sensualidade felina... Num horizonte de prazer, de estar presente.
Na noite fria, em que atravesso as ruas desertas da cidade, uma bola de fogo rasga-me os olhos. O tempo parece suspenso. Alargo os passos em direcção a um limite imaginário. Os carros, parados, mudam de cor. Já não há pessoas.
Espreito na primeira esquina que encontro, não há qualquer ruído... Vejo um gato, de corpo preto, que se contorce no cio de Janeiro. Apetece-me ficar... Ou talvez não. Volto a olhar e o gato desapareceu... E o corpo contorce-se. Vejo mais bolas de fogo... Já não me rasgam os olhos, aquecem-me o corpo, arrastam-me em direcção ao imaginário...
Oiço o batuque dos tambores, no fundo da rua dos limites... Já sou uma bola de fogo, feita lava incandescente.

Monday, January 02, 2006

O sol nasce, por trás do ponto mais alto da montanha.
O canto aos amores, descomprometidos, aqueles que, de mais libertos, podem voar mais alto que as próprias asas. Voar mais alto que as montanhas e ser mais quentes que o próprio sol.
Do ponto mais alto da montanha, vejo a vida a passar.
Trago as mãos embebidas de sol.
Abro as asas em queda livre e sinto o ar penetrar-me a pele...
E subo ao ponto mais alto da montanha, para ver o sol nascer.